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Porque nem tudo o que luz é ouro e nem tudo o que brilha é prata...
Pois é, eu sei que ando afastada...
Não dou noticias, não digo nada...Mas os silêncios também têm muito para ouvir, logo, se estou calada, imaginem o que grito....
Ninguém ouve, porque esta dor não é para ser partilhada, é só minha. Por vezes, permito-me emprestá-la a alguém, por vezes...Não posso andar sempre a massacrar as pessoas que me têm ajudado.
...
Na quarta-feira foi dia de mais uma consulta. Acabámos por ficar doze horas no hospital...Repor líquidos e potássio...Nada mais.
Nos últimos dias não descemos degraus, descemos uma rampa enorme.
O médico resolveu chamar-nos e dizer que o fígado já está completamente destruído, por isso a fase terminal está...No fim.
Na próxima crise grave, só podemos ficar a dar a mão ao meu pai e temos de o deixar partir...
Porquê?...
O que sinto deve ser algo parecido com, uma mão gigante que me rasga as entranhas e me arranca o coração...
Não me sinto nada. Não somos nada.
Esta maldita doença, transforma-nos a vida, muda-nos a alma...
O meu pai está mesmo a morrer...E não há nada, nem ninguém que possa fazer seja o que for.
...
Chorei tanto na porta do hospital, pessoas...Sentada no chão, à chuva...
Sim, nós tínhamos consciência de que este seria o desfecho inevitável, mas uma coisa é pensar neste momento, outra coisa é saber que ele está ali...Ao virar de cada minuto.
Nunca me senti tão esmagada pela impotência da vida, como agora.
Porra, eu perdi três filhos, eu acabei de perder um amigo...Mas isto, pessoas, isto é quase irreal...É como se a vida se torna-se finalmente real, e tudo o que andei a viver até agora fosse um filme....
Enfim pessoas...
Sinto-me realmente parte de algo que me transcende, que é tão maior que eu, que mesmo munida de todas as forças que tinha, e as outras que fui aprendendo a usar, e que vieram sabe-se lá de onde, mesmo assim, a impotência face a esta loucura toda, engoliu-me...Não sei onde ando, o que faço, o que penso...
Sinto o peso da enormidade da vida, na insignificância do meu Ser...
E não é fácil vestir esta minha pele.
O meu pai está a morrer, mesmo...E eu acho que ainda não acredito no que nos foi acontecer...Ninguém merece perder um bom amigo, pai de um filho maravilhoso, e o seu próprio pai...Mas acontece pessoas, às mãos de uma doença tão má e terrivel, que é como ter o inferno na terra.
Eu tenho um grave problema de comunicação. Ou algumas pessoas, têm um grave problema cognitivo, quando eu tento explicar, que esta vida, esta vida que a minha família e eu, vivemos desde à quase dois anos, não é nossa. Não é a nossa escolha, mas é a que temos para viver e, quanto a isso, quanto à grandeza da vida, podemos escolher...Ou a vivemos o melhor que podemos e sabemos, ou somos engolidos pela imensidão de tudo o que nos rodeia, e a dado momento, passamos pela vida sem realmente a viver.
Quando tenho dias maus, em que vejo o meu pai pior, ou as saudades do meu amigo, do pai do meu filho, apertam (e como apertam...), penso na vida...Penso no Sr.Varela, que acabou de perder a esposa. Penso nele, sentado noite após noite na esplanada do "Pastel de Nata" a ver e rever fotos da mulher, que partilhou a vida com ele, e agora, lhe deixou o coração estilhaçado e a casa vazia...Penso na dificuldade que ele tem em lidar com a dor dele, que ninguém pode fazer nada, mas, que basta um sorriso, uma palavra de conforto, e o dia dele melhora...A dor está lá, não há magia pessoas...Mas pode haver compaixão.
O meu pai não tem melhoras, nem pioras...O que a esta altura, não é bom, nem mau...É viver suspenso, à espera da morte, com medo, aterrorizados...
O meu pai à muito tempo que não dorme de noite, os terrores nocturnos, o medo de morrer não o deixam...Ele não dorme nem deixa dormir, logo as nossas noites são quase tão más como os nossos dias...E chora, todos os dias ele chora a pedir para morrer...A perguntar porque ainda cá está, que já devia ter partido, que a vida é injusta, porque o amigo, quase filho dele, já morreu e ele ainda não...E que do "outro" lado o Paulo o espera...E ele continua cá, sem morrer...
E eu tento, com muita força, explicar às pessoas que não mudei, adaptei-me apenas...A viver no "arame", à espera do tal telefonema, do tal último internamento, da tal última despedida...Enquanto esse momento não chega, vivo. O melhor que posso e sei. Com dias maus, com dias bons. Rio quando tenho de rir, choro, choro muito quando ninguém está a ver...Pulo, salto, grito, canto...
E gostava pessoas, gostavas que muitos de vós, que julgam que nada vos chega, tirassem o nariz do umbigo e olhassem à volta...Que abrissem os olhos e vissem que o Sr.Varela tem um desgosto sem fim, que a D. Adelaide acabou de perder o filho e não sabe como começar sequer a fazer o luto, que olhassem para o Rui e vissem nos seus olhos a tristeza que lhe vai na alma por ter perdido o pai....
Que vissem que esta vida não é nossa, e que o que tento escrever, é que esta não é a vida que escolhi, é a que tenho de viver, e também a vós vos pode acontecer o mesmo...
Eu acredito nos Homens, e acredito num sentimento chamado compaixão. Será que sou a utopia em pessoa? Será que ensandeci?
....
Não pessoas. Esta é a nossa vida, aquela que não escolhemos, aquela que nos foi "oferecida", e quando pensarem que controlam a vossa vida, lembrem-se de mim...Um dia eu também pensei que controlava a minha vida...Depois apareceram as doenças más, e o resto, o resto podem ler aqui.
Hoje é dia dos Cuidados paliativos.
Para os que não fazem ideia do que seja, é uma equipa pluridisciplinar, formada por um médico, um enfermeiro, e um psicólogo. O intuito desta equipa é providenciar ao doente, que clinicamente já não tem hipótese de tratamento para debelar a sua patologia, todo o conforto e bem estar sem perda de dignidade.
Elas existem, eu sei, já vi, o meu pai foi seguido por uma destas equipas....Não chegam. Não são em número suficiente, não têm condições nem suporte para chegarem a todos os que precisam deles...O apoio a uns chega tarde demais ou a conta gotas. Depende da zona geográfica e da disponibilidade da própria equipa, depende das infra-estruturas de suporte...Enfim, depende de tanta coisa...
Aos que batalham por melhores cuidados de saúde, tentem perceber e presenciar o que faz uma destas equipas...Tão valiosas, mas tão escassas e sem apoios.
Eu aplaudo e espero que um dia cheguem realmente a todos que necessitem, com todas as condições...
Isto hoje está bonito...
Vejamos a incursão musical desde as nove da manhã, acho que espelha bem o meu estado "mental-cabeça-de-serrabulho", house music, fado, pop e agora, sertaneja!
(Por favor, alguém que pegue em mim e me leve...A ver o mar...)
Enfim.
De resto pessoas, tudo na mesma...A tentar fazer um luto, a preparar-me para outro...Acho que a isto se chama a p**** da vida.
Estas últimas semanas têm de facto, sido complicadas, mas acho que me estou a repetir.
Tenho feito coisas, realmente maquiavélicas!
No trabalho é recorrente os colegas darem com coisas arrumadas nos sítios mais impróprios, perco o nexo nas conversas, deixo de ser coerente...Misturo "alhos" com "bugalhos"...Entro vestida e calçada na banheira, torno a deixar o carro aberto, destravado e desengatado...Calço um sapato de cada "nação", visto a roupa do avesso, and so on...
Como vêm estas últimas semanas também têm sido repletas de momentos de riso histérico...Sim, não pensem que só vivemos coisas mazinhas no dia-a-dia...Como tudo, também o riso faz parte, o riso, a música alta...
Estamos de luto e numa batalha desleal, mas não podemos deixar de viver...
E não venham com a teoria de que estou a ensandecer e tal, e depressiva e não sei o quê...Been there, done that...Depressão é outra coisa. Isto é só mesmo cansaço...Físico, mental, e muita tristeza...Só isso.
...
Ah e talvez uma grande dose de loucura, por enquanto saudável...Mais por aí.
Tenho tanto para dizer. Mas tudo cá dentro, anda revolto, perdido, misturado neste turbilhão a que gosto de chamar cabeça.
A confusão é tal, que as minhas conversas se resumem a "hum, hum", para não ter trabalho de pensar.
Uns dizem que é o reflexo dos meses difíceis, outros debitam teorias fantásticas sobre o meu estado mental, estar intimamente ligado ao estado da nação,(W.T.F.?), enfim...
Dou um passo em frente e, alguns dez para trás.
Este último internamento do meu pai foi, para mim, catastrófico.
Reduzem o pessoal de enfermagem em cerca de 40%, tiram camas nas enfermarias, reduzem os horários das auxiliares...Um tormento. Uma tristeza. O estado em que a saúde deste país caminha...
Ouvi por estes dias o Dr Antonio Arnaut, considerado o pai do nosso serviço nacional de saúde, a falar no programa "Prós e Contras", a imagem que me ficou foi de um "pai" muito desiludido com as escolhas que foram feitas pelos "padrastos" do seu querido filho...No seu olhar era explicito o seu grau de consternação...
Não faço sentido pessoas...Desculpem.
Só sei que este momento está a ser de difícil digestão...
Como dizia uma professora minha, estou perdida nas minhas ideias, é bom que comece novamente a escrever compulsivamente, pode ser que ganhe outro "tino"...
Ah e pessoas gentis que dão apoio a esta pessoa, obrigada...Obrigada por no meio da tempestade, fazerem as vezes do farol que ilumina este caminho escuro...
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