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Porque nem tudo o que luz é ouro e nem tudo o que brilha é prata...
Exma. Sra. Ministra da Saúde, Marta Temido;
Não nos conhecemos, chamo-me Susana Martins, tenho 42 anos, sou de Lisboa, tenho dois filhos, um cão, marido, família e amigos. Tenho também um tumor no pancrêas, que gostamos de tratar carinhosamente por "hóspede", visto já fazer parte do nosso agregado familiar.
Foi com profunda admiração e desilusão, que ouvi a Exma. Senhora Ministra, ontem dia 7 de Maio, por volta da hora de almoço, ao ser inquirida por um jornalista num breve trecho de entrevista em que a questão era, qual a opinião da Exma.Senhora Ministra, relativamente ao aumento da mortalidade infantil nos últimos 20 anos, e cuja resposta e cito, "são estatísticas que ainda estão a ser analisadas...", fim de citação.
(Agora vem a parte boa da minha opinião)
Exma. Senhora Ministra,
Eu, Susana Martins, recuso-me terminantemente a ser considerada uma estatística. Sou uma pessoa, não um número. Sou uma mulher com 42 anos, mãe, esposa, familiar e amiga, a quem a natureza pregou uma partida de mau gosto.
Em Agosto de 2017 dei entrada nas urgências do H.S.J, com prognóstico de pancreatite aguda. Depois dum breve período de internamento, e algumas semanas de recuperação, fui encaminhada para a equipa de Cirurgia Hepato-biliar do H.C.C. Vi-me confrontada com o facto de estarem mais importados em tratar os sintomas, do que perceber o que realmente se passava comigo. Senti-me SEMPRE, tratada como uma "estatística" e não como uma paciente. Andei nisto por mais de 12 meses, "empurra com a barriga", medica, controla a dor e marca nova consulta. Seguiram-se mais internamentos, sempre com recorrência de novos episódios de pancretaite aguda. Seguiram-se episódios em que à falta de diagnóstico, fui aconselhada a ser seguida pela especialidade de psiquiatria e também de gastroentrologia. Sempre "bati o pé", sempre disse que os sintomas não eram consistentes com ambas as sugestões.
Em Maio de 2018 fui encaminhada para a especialidade de Endocrinologia. Mais um internamento, mais exames. Afinal as minhas queixas seriam um Insulinoma, tumor raro no pâncreas. Aí tudo mudou. Tenho dois filhos, um marido, amigos e família. Tenho tanto para viver ainda, sinto-me uma cidadã válida.
Os episódios de pancreatite aguda continuaram. Agora acompanhados de episódios de hipoglicémias. Continuaram também as idas recorrentes ao serviço de urgência, os jogos de "empurra com a barriga", os internamentos. Desisti. Deixei de ir ao serviço de urgência quando me questionaram qual a quantidade de álcool que consumia diariamente, e se recusaram a prestar-me o tratamento a que tinha direito, por não estar contemplado nas "estatísticas". Afinal, com tantas análises ao sangue, seria de fácil verificação o facto de ser abstémia. Desisti. Desisti do facto de continuar a ser vista como estatística, desisti do facto de continuar a ser-me negado um direito fundamental consagrado na Constituição Portuguesa, o acesso a cuidados de saúde que me curariam a doença, além de me tratarem os sintomas.
Em Março de 2019 tudo mudou novamente. Novo episódio de pancreatite aguda, novo internamento. Na mesma noite fui sujeita a dois TAC'S e duas ecografias. Era fundamental tirar dúvidas. Afinal a "massa tumoral" havia quadruplicado o tamanho. Agora sem dúvidas, e ainda em internamento no serviço de S.O. sou observada por dois profissionais de saúde, que muito embora as restrições impostas, e depois de me ouvirem exaustivamente a negar-me a ser considerada uma "estatística", me encaminham, finalmente, para aquela que deveria ter sido desde sempre a especialidade médica a seguir-me, a par da Endocrinologia. Finalmente fui ouvida. Finalmente senti que tenho uma equipa que não vai baixar os braços, que não me vai deixar desistir. Foi pedido um exame, C.P.R.M. com urgência, para saber a extensão do meu "hóspede" e o que havia, se houvesse, ainda a ser feito. Exame pedido com URGÊNCIA no dia 7 de Março, agendado para dia 30 de Abril.
Exma. Senhora Ministra, eu vi "in loco" o que é um serviço de urgência. 4 enfermeiros têm de chegar a 50 pacientes. Fazem o que podem, com os parcos recursos que lhes são atribuídos. Eu vi "in loco" o que são péssimos, maus e EXCELENTES profissionais de saúde. Apesar das restrições, apesar dos protocolos hospitalares lesivos, castradores, autoritários e vocacionados para o "medicar e pôr a andar", dispostos a lutar comigo e por mim. E sim, já sou "conhecida" pela quantidade de vezes em que fiz questão de deixar a minha indignação por escrito, no Livro Amarelo. E é triste. Tão triste como impotente e frustrante. Estarem valores monetários a falar mais alto que pessoas. Sim, enquanto paciente, tive a perfeita noção que uma empresa farmacêutica, dá muito mais lucro ao Estado, que eu, cidadã de plenos deveres e direitos, sempre cumpridora das minhas obrigações enquanto tal, sempre trabalhadora, sempre cooperante.
Sinto neste momento que o meu Governo me abandonou, mas os profissionais de saúde que me acompanham não.
Sei que a morte é uma inevitabilidade da vida, apesar de, na minha condição Humana, não gostar de ser confrontada com tal facto.
Escrevo-lhe na minha qualidade de cidadã e utente do serviço nacional de saúde. Escrevo-lhe enquanto confrontada com o meu diagnóstico, enquanto mãe, esposa, familiar, amiga e cidadã que ainda tem tanto para oferecer e fazer pelo meu país. Sinto que o meu Governo me abandonou e preteriu a favor de políticas e dinheiro, o "vil metal"... Escrevo-lhe em meu nome, e no nome de todos com quem me cruzei no nosso serviço nacional de saúde, e que também são lesados, tanto ou mais que eu.
Não Exma. Senhora Ministra, não tenho como recorrer ao serviço privado de saúde, sendo assim, terei de morrer por falta de cuidados que me estão consagrados.
A minha morte e a daqueles que estão na mesma condição que eu, será sentida pelos que nos amam, e ficará sempre na consciência daqueles que não lutaram por nós, nem connosco.
E é triste, impotente e frustrante.
Cordialmente,
Susana Martins, aquela que não fala só em seu nome, mas no nome de todos aqueles que estão a ser abandonados e deixados a morrer, por serem considerados "estatísticas".
(Esta "carta" foi enviada por e-mail para o gabinete da Exma. Senhora Ministra, e pode ser divulgada)
(imagem retirada da net)
Pois é...Nos últimos dias pensei muito em relação à vida, aos desafios que nos são impostos, às metas e objectivos...
Tive o prazer de ter uma conversa com o António, colega de camarata do meu pai, a quem tiveram de amputar parte da perna direita, por uma falha de diagnóstico, ou por um diagnóstico tardio...Mesmo assim ele é um resistente. Ganhei uma outra perspectiva da vida, através dos olhos dele...Toxicodependente recuperado, a trabalhar, com a sua vida organizada e, agora, agarrado a uma cadeira de rodas até lhe retirarem a tíbia...Enfim...Quando ele pensava que finalmente se tinha levantado, caiu...Mas mesmo assim não desiste. Apesar de completamente sozinho...A família não quer saber dele, apesar dele estar bem, pela parte dele, também não quer saber...Acha que estão no direito deles, fruto de outras guerras...
A minha colega Tina também me deixou a pensar na vida...Num exame de rotina, descobriu que tinha o bicho "câncaro"...Com 44 anos, viu todos os planos ficarem de cabeça para baixo...Já cortou o cabelo bem curtinho, mas fica gira, por solidariedade até estou capaz de rapar o cabelo também...Pela minha colega, pelo pai do meu filho, pelo meu pai, por todos os bravos guerreiros que se vêm nesta luta muitas vezes inglória... Chego à conclusão que o facto de ter uma nódoa nas calças, ou o verniz das unhas a descascar, o cabelo com raizes descoloradas ou com um mau corte, a falta de dinheiro constante, não é absolutamente nada!...Acho que a vida é mesmo assim...
"Quando pensamos que temos todas as respostas, vem a vida e altera as perguntas..."
Já gostava desta frase, mas agora é que entendo o seu verdadeiro sentido...
Queixo-me eu com as banalidades da vida e, ainda agora acabei de saber, que um casal de primos, grávidos de gémeas, acabaram de perder uma das filhas...
Pelo amor da santa...
Realmente este ano, parece ser o ano em que a vida ganhou outro sentido...Em que descobri em mim e, nos outros, forças que desconhecia. Sentidos opostos, que a um dado momento se tornam em vias de sentido único. Becos sem saída e túneis escuros, onde de repente, se descobrem atalhos e luzes ténues no fundo da linha...
A vida é tudo e muito, muito mais...
O meu pai está novamente em casa...Constipado e rezinga! Quer saber o porque de tanto exame, o porque de conversas em surdina...Eu não lhe conto, apesar de sentir nos seus olhares, que ele sabe que eu sei o que se passa...Jurei que ele não ficaria a saber por mim...4ª feira é dia de consulta, o dia em que vai ficar a saber de tudo...O médico não lhe pode continuar a omitir a informação e, ele como doente tem todo o direito de saber...Se fosse comigo eu também quereria saber...Provavelmente não queria era ficar a saber pelos meus filhos, nem ficaria feliz se eles soubessem e não me contassem...Enfim...
A luz ao fundo do túnel já se vê...Depois de um prognóstico inicial de 3 meses, sem hipótese de tratamento, já se fala em cirurgia...Para quê ou qual a finalidade, só saberemos na próxima 4ª feira, o dia de todos os desafios...Mas já existe data, provavelmente no próximo dia 7 de Novembro. Até lá, logo se vê...Um dia de cada vez, um passo de cada vez...
Este ano está a ser difícil, pautado por tudo o que é bom e, por tudo o que é rasca...
A mudança de local de trabalho e empresa, depois de 5 anos oprimida e subjugada, a doença do pai do meu filho, a doença do meu pai...
O nascimento das minhas meninas algarvias, o convite para madrinha da minha Diana...Foi o momento mais feliz deste anos a par com o seu nascimento...Finalmente tenho uma menina na minha vida...A menina que a natureza me levou 3 vezes...Mas eu persisti! E agora ela está tão linda...E tem uma madrinha doida e tão ausente...Enfim...
Sabes pai, estás aí a jogar às damas e nem dás conta que estou aqui a escrever para ti...Para a semana já lês isto tudo de fio a pavio...Mas faz um favor aqui à doida da tua filha, não chores como ontem, porque agora que fiz extensões de pestanas, se choro as tipas ainda me caiem e se colam ao nariz!!!!!!( não deve ser uma imagem bonita, um nariz cheiinho de pelos bem pretos e longos...)
(imagem retirada da net)
E a Angiografia já está feita. Correu bem dentro dos possíveis... A porra é que agora não te podes mexer. Não se pode ter tudo, certo? Ainda nos rimos os dois, pelo teu entusiasmo...Não doeu, nem sentis-te nada e ainda viste as tuas veias e ossos! Há coisas fantásticas... Ainda por cima gozas-te pelo facto de a tua coluna, parecer a espinha de um carapau...Por mim, acho que é mais de um bacalhau...Os ossos são mais espessos!
Hoje comecei a manhã a chorar. Chorei porque não te pude acompanhar, tive de te deixar À porta e zarpar...Os Srs.. seguranças hospitalares não se deixam condoer com as minhas súplicas..."Vá, deixe o Sr.. e torne a sair..." Naquela zona é complicadíssimo estacionar, quase a roçar o impossível...Enfim.
Agora tens de ficar aí até estares em condições de ir para casa. Poderá ser amanhã, ou depois...Não gosto quando vais para o hospital. Não gosto mesmo...Fica um vazio dentro de mim. Apetece-me correr para o pé de ti e não te largar a cama. Não pode ser! Com o meu tamanho, tinhas de dormir no chão...
Sei que estás num quarto novo, com colegas novos...Até tremo de pensar que amanhã te irei visitar...Que histórias serão as deles, que maleitas os acompanham...Definitivamente, passei a ter asco a hospitais...E a médicos...E a tudo o que se relacione com assuntos de saúde...
Acho que sendo assim, se calhar é melhor mudar de área profissional...Deixei de me orgulhar de batas brancas...Agora passo o tempo a orgulhar-me de quem as enverga...
Ai pai...Se um dia conseguir levantar a cabeça e encarar o quanto isto me custa, darme-ei por feliz e orgulhosa...Até esse dia, vou continuar aqui, a escrever esta espécie de diário dos teus dias a lutar contra o bicho "câncaro"...
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